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quarta-feira, outubro 15

Corpo Impossibilitado




O único espetáculo da segunda feira no FIDR foi a peca de marta soares “um corpo que não agüenta mais”, titulo bastante proposital para um dia vindo depois de quatro outros com muitos espetáculos pra ver e pouco tempo para digerir.
O espetáculo e’ denso, com tempos largos e silêncios prolongados entre intervalos de intervenções sonoras fragmentadas.

Três mulheres e dois homens literalmente jogados no espaço iluminado por uma luz branca tênue, entre roupas, algumas cadeiras e um chão coberto por mantas, onde os corpos parecem tentar se esconder.
A ação e’ mínima, não controlada, mas como que anestesiada por algo que não passou ali, mas que ainda esta acontecendo nesses corpos, por esses corpos.

Estão juntos mas absolutamente sozinhos em um espaço carregado de desolação, de abandono, como se eles ainda não compreendessem a atual situação em que se encontram. Uma mulher tenta se levantar e despenca pela parede, a outra vai de um lado para outro como que levada sem querer, um homem se arrasta por debaixo das mantas buscando um lugar inexistente, uma se aproxima da outra sem necessariamente conseguir um contato. O espaço se reconfigura pelas mudanças dos corpos, mas a condição parece ser a mesma, sem esperança de que vai mudar.

Com o passar do tempo comecei a sentir uma espécie de ternura entre esses corpos que não se ajustam entre eles, não tentam mais nada com convicção, como se toda essa violência estivesse urrando do lado de fora e entrando por debaixo das portas, como se nada mais pudesse ser feito contra o que esta realmente passando no mundo, como se o real tivesse atirado ali as sobras humanas em processo de decomposição física e moral.

A violência em muitas camadas e níveis de sutileza, impávida, inquestionável, silenciosa mas poderosa como algo que não se pode evitar. Os corpos as vezes pareciam lutar sem forças, em gestos que se perdiam no ar, não alcançando mais nada nem ninguém. Os indivíduos pareciam querer serem outros, amputar membros para receber outros, apenas para balbuciar movimentos que variavam de aceitação conformada para incomodo instalado na carne.

Um mundo que se deixava ver pela ressonância, como eco traduzido do inconsolável. Um mundo parecido com o que conhecemos mas não aceitamos, que tememos mas que insiste sobre os mínimos centímetros de nossas peles, pálidas por tentativas em vão. Uma dança que incomoda, que perturba ao ponto de nos fazer pensar num fast forward ou num pause, que sabemos tão bem não pode vir assim tão fácil, porque saímos do teatro e esta ali, na rua, nos bares onde nos divertimos, na casa onde guardamos tão secretamente uma fragilidade que nem sempre admitimos sentir.

Uma dança que se faz dança pela impossibilidade de estarmos plenos em um mundo onde o poder castiga os sonhos, os desejos mais profundos, e a potencia latente que pulsa, pulsa, ainda pulsa, deformando nossa existência condenada.

E tomo palavras emprestadas de Bauman, encontradas ao acaso depois do espetáculo: “As expressões imediatas da vida são disparadas pela proximidade, ou pela presença imediata de outro ser humano – fraco e vulnerável, sofrendo e precisando de auxilio. Somos desafiados pelo que vemos. E desafiados a agir – a ajudar, defender, trazer alivio, curar ou salvar.”

Fotos : Val Lima

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